domingo, 2 de maio de 2010

"So how did youget all this stuff... this apartment, this life?"






Eu tenho um carinho enorme pelo que eu já fui, quase como se fosse outra pessoa. Como se fosse uma menina da qual eu cuido muito. Como se eu fosse sua confidente e soubesse tudo a respeito de seus medos, ânsias, desejos e pensamentos malucos.

Eu lembro do seu perfume e do seu jeans favorito, já rasgado. Da sua sandália favorita, já grampeada porque arrebentou. Do seu cachecol preferido que carregava seu cheirinho. Da sua caminhada apressada, da música que a embalava, da volta pra casa. Aquele anoitecer frio, deixando a ponta do nariz gelada. Chegando em casa e renovando com o banho sua crença em si mesma. Foi nessa época que começou a tomá-lo no escuro. Assim saberia mais do que estava dentro de si do que de seu corpo, seu exterior. Assim aguçaria seu olfato pra sentir aquele sabonete de canela que usava, assim sentiria mais dentro de você a água caindo. No escuro eu sei que você sempre foi outra, se revelando nas sombras trêmulas das velas acesas. Eu sei tudo que você descobriu sobre si mesma e sobre sua força, as promessas que se fez. Eu sei dos amores que você inventou pra si, das histórias que você viveu com eles. Tudo dentro de você.

Eu sei que você estava sozinha e eu sei que você pensava muito em mim. Eu sei que você me desejava com toda a força que o seu coração encontrava pra bater. Eu sei que você me planejou e me desenhou com todo o cuidado e amor que só o que você foi aos 17 anos de idade seria capaz. Eu não me esqueço do quanto você sonhou comigo e do quanto também teve pesadelos com a possibilidade de eu nunca existir. Eu devo a você o meu presente, a minha realidade, a minha força, a minha fé, a minha vontade de continuar. Foi só porque você insistiu e, mais do que insistir, foi só porque você escolheu não desistir de lutar para que eu pudesse surgir. E eu não esqueço da dor, do cansaço, da raiva, da vontade, do desespero, da inveja, da mágoa. Do quanto demorou pra você entender.

Não me fugiu da memória sua revolucionária visão do que estava vivendo, mas eu posso ver, como você não podia, que foi isso, que você demorou pra entender. Que você só saberia quando já tivesse o que era necessário. Mas eu agradeço por, mesmo sem entender, você ter continuado. Firme, como suas idéias, doce, como seu sabonete e decidida como seus passos.

Agradeço por você ter encontrado um meio suave de batalhar pela minha vida. Mesmo sendo mais nova do que eu, você foi o essencial, o elementar, o único motivo pelo qual estou aqui hoje. E é incrível, mesmo mais nova, você foi capaz de trazer algo mais pesado, mais denso e mais complexo do que você. Entendo o peso que tudo isso era. Eu te entendo e te guardo. Eu te cuido nas lembranças, porque eu sei que é ali que você vive hoje. Ali e na base de todas as minhas escolhas.

Foi no dia 09/01/2009 que você se foi e cedeu seu lugar pra mim. Mas fique tranqüila, porque tudo que faço é pensando em nunca decepcionar seus desejos mais profundos. Você conseguiu, agora eu estou aqui. Prometo honrar sua vitória.

Veja só, Poliana, como você cresceu.